17 de maio de 2012

A donzela de preto

Ela se veste de preto todo dia, nunca usa maquiagem, e se usasse ninguém ligaria. Nunca se lembrava de ontem e todos os rostos que ela via eram estranhos e distorcidos, e sempre que acordava, era só para descobrir que estava longe.

Ninguém sabia que problema tinha, alguns diziam que tinha Alzheimer, mas era muito nova para o ter. Então sussurravam quando tinham certeza de que não estava ouvindo - por que com ela nunca havia certezas - que era simplesmente louca. Inventavam todo tipo de história para justificá-la, diziam que fora a perda do pai, um amor platônico, um acidente, ou um mal de nascença. Quando lhe dirigiam a palavra, ela não ouvia, fingia que não ouvia, ou respondia etéreas, misteriosas - e às vezes incoerentes - respostas. Mas apesar de tudo, ela criara uma maneira de sobreviver, todo um ecossistema dentro de seu mundo interior, um próprio clima, uma própria flora, uma própria fauna, um próprio pensamento. Mas para todos os sentidos, estava morta... Ou simplesmente em estado vegetativo - que é para mim, o mesmo. Mas logo-logo, a borboleta que esperava dentro daquele casulo em breve iria  se libertar. Iria ascender.

Na rua cinzenta
A chuva caía sonolenta
De tonalidade magenta
Naquela noite rabugenta

Ela andava e não sabia porque. Provavelmente pela mesma razão pela qual a chuva caía. Como sempre estava transitando entre fora e dentro de si própria, e não percebera algo fora dela, algo com que cutucou a borboleta cor-de-fogo que se mexia inquieta dentro dela. Estava no meio da rua, e então, o que para muitas pessoas seria trágico, foi um alívio para ela. Ela fora atropelada por um carro qualquer, que parara bruscamente na esquina para tentar socorrê-la - embora o ‘socorro’ fosse nada mais que continuar a prende-la naquele corpo. Um zíper em suas costas se abriu, e dele, saiu uma  borboleta cor-de-fogo - como se vista dentro dum sonho - e não se sabia dizer  onde começava e onde acabava, se bem que mesmo que se soubesse, não haveria ninguém para dizê-lo. E assim, ela oficialmente transcendeu.

13 de maio de 2012

A comédia trágica ou a tragédia cômica de Mr. Punch

Uma das melhores Grafic Nowels de Neil Gaiman, conta da história de um garoto sem nome que passa uma temporada na casa de seus avós e a de todos ao seu redor. Fala de como ele saiu de sua infância para entrar na sua adolescência através  de outros personagens ao seu redor, incluindo Mr. Punch, que na verdade é nada mais do que uma peça de teatro-de-fantoches de sua infância. A narrativa é manchada de frases enigmáticas e cenas um tanto quanto oníricas envoltas na aconchegante neblina que paira sobre as mais antigas memórias de nossa infância. É uma verdadeira obra de arte tanto no texto quanto nas imagens, algumas vezes simples desenhos como na maioria das história em quadrinhos, outras vezes fotografias surreais repletas de significados ocultos que remetem ao fundo de nossa psíque.